Texto | Maíra Morena, membro da comunidade

De modo semelhante a outros mercados da economia criativa, os efeitos da pandemia nos serviços de alimentos e bebidas foram multifacetados. Se de um lado o contexto  determinou, em alguns casos, o fechamento permanente das portas de bares e restaurantes em todo o Brasil, de outro, abriu caminhos para o setor. Tendências que já existiam tiveram sua implementação e difusão acelerada, assim como alguns modelos de negócio ganharam relevância nos últimos meses, o que reforçou a necessidade de (possíveis) empreendedores estarem atentes e sempre em processo de pesquisa e atualização. 

Compartilho aqui algumas observações que acredito e espero serem úteis para quem já tem ou pretende empreender na área de Gastronomia, aqui compreendida em toda a sua cadeia:
 

  1. Cozinhar em casa tomou grande importância, seja por necessidade ou “passa-tempo”. Assim, cresceu tanto a oferta como a demanda por conteúdos e cursos de culinária online. Do feijão com arroz ao uso de sous vide, de super produções a materiais simples. Tem de tudo e vale se jogar!

     
  2. Além dos cursos, alguns empreendimentos apostaram em kits ou caixas de ingredientes para preparar ou finalizar pratos em casa. Essa opção já era apontada como uma tendência do mercado gastronômico e muitos estabelecimentos já executavam o formato abraçando e difundindo a ideia de que “todo mundo pode ser chef”. O mote de venda desse tipo de produto mudou durante o isolamento social e o marketing se voltou tanto para a questão da proteção dos clientes, quanto para o resgate da experiência do ato culinário. Vale dizer também que  bares e restaurantes aproveitaram a oportunidade para gerar conteúdo e movimentar suas redes sociais com  tutoriais ensinando a montar os kits ou caixas. O formato deve permanecer mesmo após a pandemia, inclusive como modelo único de operação.

     
  3. Dark kitchensconsiste em negócios de gastronomia que não possuem um ponto físico de funcionamento, operando somente através de delivery. Muitos empreendimentos inauguraram seu funcionamento durante a pandemia nesse formato, cuja principal vantagem são custos mais baixos relativos à estrutura. As chamadas dark kitchens já cresciam em número no Brasil antes do isolamento social, inclusive, operando de modo compartilhado: mais de um empreendimento funcionando em uma mesma cozinha. 

     
  4. Para bares e restaurantes quem já reabriram em algumas cidades, protocolos de segurança entraram em cena e  acabaram somando no ritual à mesa. Fora a parte meio assustadora de medir temperatura de clientes e funcionários super paramentados, posso citar, a título de exemplo: caixinhas e saquinhos individuais para guardar máscaras e álcool em gel disponível nas mesas, ambos vindo acompanhados de mensagens e trocadilhos para descontrair a possível tensão da experiência (como “use sem moderação” estampado nos frascos de álcool)cardápios reduzidos, adaptados a equipes e/ou escalas de trabalho reduzidas, bem como o uso de recursos tecnológicos para acessá-los, como QR Code; exigência de reserva de mesa, que deu um tom de exclusividade à experiência, assim como a reconfiguração dos salões, com mesas mais espaçadas, que acabaram gerando ambientes com mais privacidade. Não vou entrar aqui no mérito de julgar prudente ou não essa reabertura, ok?

     
  5. Cresceu a preocupação com a origem dos alimentos, não só por uma questão de saúde, mas também por conta de uma maior atenção aos impactos socioeconômicos da cadeia produtiva dos alimentos. Isso determinou uma maior procura de clientes por estabelecimentos que utilizam ou comercializam ingredientes locaisorgânicos ou agroecológicos e que se posicionem politicamente em torno de novas narrativas para o futuro da alimentação
     

Destacadas essas observações, cabe lembrar que, desde que o Homo Sapiensse estabeleceu enquanto espécie, a produção, preparo e ingestão dos alimentos são muito mais do que atividades que garantem os nutrientes necessários para a sobrevivência do corpo. Os saberes e práticas que atravessam a comida são, há milênios, importantes elementos de socialização e de construção de vínculos entre o indivíduo e a comunidade.

Nesse sentido, num contexto de profunda desagregação social, que já se estabelecia mesmo antes do coronavírus dar as caras, os rituais e experiências da comensalidade se fortalecem enquanto mecanismos de reconexão, seja entre pessoas, ou entre essas e hábitos deixados em segundo plano por conta do trabalho, das culturas digitais ou outras razões. 

Ter isso em mente nos permite enxergar alternativas viáveis para o setor, desde estratégias de comunicação a possíveis formatos de operação que rompam com a necessidade de ocupar fisicamente os espaços e adentrem mais profundamente em territórios simbólicos do comer e beber.

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